Apelidos e Alcunhas

Era hábito antigo os filhos varões receberem os sobrenomes do pai, sendo às filhas aplicado o da mãe ou, devido à forte religiosidade, algo que lhes desse protecção dos Céus, tal com: “de Jesus”, “dos Santos”, “de Deus”, “dos Anjos”, “do Senhor”, entre outros, acontecendo amiúde, ficarem as meninas apenas com o nome próprio.
Também era muito frequente porem alcunhas às pessoas, as quais além de serem curiosas, muitas vezes, identificavam melhor o indivíduo que o seu legítimo nome: Padeiro, porque fazia pão, Loiceiro, porque moldava o barro, etc… Muitas destas alcunhas passaram, com o decorrer do tempo, a serem consideradas sobrenomes, dado que as pessoas eram mais conhecidas por ela do que pelo seu próprio nome. Outras porém, tendo uma conotação de menosprezo faziam com que fossem mal aceites, ou mesmo repudiadas. Como acontece com muitas outras coisas, a moda passou, pondo-se de parte esta prática. Foi desta forma, também, que começaram a ser excluídos alguns sobrenomes, bem interessantes, em favor de outros, por ventura mais comuns e bem aceites, estando, por esta razão, a desaparecer vocábulos muito curiosos e passando a maior parte da população a ter apelidos comuns, tais como Rocha, Silva, Martins… enquanto Bairradas, Biras, Caloras, Cagões, Caneco, Capela, Carramão, Catrinas, Crespo, Cuteta, Doutoras, de Deus, do Senhor, Esgueiroas, Faustinas, Francisquinhas, Gaudências, Graças, Kalssas, Loiceiro, Loureiros, Mansinho, Macho, Menitra, Moças, Netas, Padeiro, Pandeirada, Paralta, Parolão, Pascoálas, Penetra, Ralhoa, Rendeiros, Ricóca, Ritos, Russos, Sarabando, Sarafinas, Serôdeas, Simoas, Taroleta, Tróia e Vicentes, os tais que caracterizavam as pessoas e tinham história, se vão perdendo.
A confirmar o desagrado que se criou ao redor das alcunhas conta-se que, a dada altura, um emigrante vindo de férias do Brasil, para onde tinha partido há muitos anos, ao ser questionado sobre a terra para onde emigrou, fez questão de salientar, como mais-valia, apenas o que se depreende do diálogo que teve com um seu conterrâneo:
É João fala-nos dessas terras, por onde tens andado. Dizem que por lá é tudo novo, tudo rico, tudo lindo… conta-nos o que de bom encontraste para te prender por lá tanto tempo. Será que vale a pena estar tão longe, da terra e da família?
Se vale, Jaquim! No Brasil, é tudo muito melhor, que pelas nossas terras. Vê tu bem, só para avaliares! Pensas que por lá existe o Ti Manel das Vendas, o Ti Zé do Norte ou o Ti Antoino da Capela? Desengana-te. Naquele país todos são tratados: por senhor fulano, senhor sicrano, senhor beltrano. Tudo com respeito e cortesia. Vê tu bem o nível daquela gente!... Isto, meu amigo, só por si diz tudo…
Está visto que, o que o nosso homem mais apreciou pelas terras de Santa Maria, não foi o desenvolvimento, a cultura, ou a riqueza. Foi única e simplesmente o facto de lá não ter sobre a sua cabeça o estigma da alcunha que, desde a infância, na sua terra natal, o marcara como ferro em brasa e lhe pesava como chumbo.

Aida Viegas  (in Santo António a Freguesia e o Padroeiro)

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