LAURA UM GRITO NO SILÊNCIO
Eis uma recolha de retalhos de vidas, peças dispersas de um puzzle que tentámos reconstruir, junção de várias realidades, muito aquém da realidade.
Denúncia da maneira como a mulher continua a ser explorada, desprezada e acusada; manietada por falsas tradições, crenças e costumes; vendida ou trocada por um dote; perseguida e tapada em certos países. Sem informação e sem voz em tantos locais, sem parceiros com quem dialogar, sem apoio social, compreensão, e independência monetária; por vezes sem o apoio das outras mulheres, por receio, despeito ou covardia.
Denúncia do modo como uma grande parte da sociedade vê, trata e condena a mulher, como a humilha e castiga; como a marginaliza e aniquila.
Denúncia, da vítima que afinal, todos conhecem mas poucos defendem.
Redenção do pecado encarnado em Eva, e dela herdado, imputado à mulher, desde os primórdios dos tempos, que ela foi obrigada a carregar sempre sozinha, não tendo podido reparti-lo nem com a maçã, nem com a serpente, e muito menos com o homem.
Pecado, presente por detrás de cada rosto feliz, que esconde um coração a sangrar, na personagem que encarna todas as mulheres acusadas e condenadas, sem causa, sem processo, sem juiz, sem julgamento, fundidas na revolta de querer virar o mundo com a força dos seus braços, a torrente de suas ideias, o sonho que as comanda, os ideais que as animam, a vida dos seus ventres e o amor dos seus homens; de querer ser filhas de Maria e não de Eva, ou mesmo Madalenas, para serem perdoadas; amantes e amadas mas respeitadas como respeitam, pois sendo fortes, se auto redimiram, exorcizando o estigma que as perseguia.
Denúncia, para que sejam ouvidas e jamais calem: injustiças, maus-tratos, injúrias, por vergonha, por medo, por dignidade, por imposição.
Denúncia de factos que nunca deveriam ter sucedido, que continuam a suceder, e aos quais urge por cobro imediato.
Acima de tudo a formulação do desejo:
De poder olhar todos os rostos femininos e encontrar neles espelhada: a paz, a determinação, a alegria, a fé, a esperança, o amor.
De ver estes sentimentos reflectirem-se nos homens que com as mulheres ombreiam na vivência do presente e na construção do futuro, onde os pratos da balança dos afectos estejam equilibrados.
De crer que qualquer mulher, todas as mulheres possam viver com a dignidade que ao nascer é conferida a qualquer ser humano, independentemente do lugar onde nasceu, das funções que desempenha, dos estatutos que regem a sociedade onde está inserida, do nome do Deus em que acredita.
De sentir que no mundo a diversidade que distingue dois seres que se completam, tenha relação directa com a beleza verdadeira, espelhada nas diferenças significativas, e nas mais ténues e subtis nuances, que colocam ombro a ombro o Homem e a Mulher.
Aida Viegas
(in LAURA UM GRITO NO SILÊNCIO)
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