ALEGRE PÁSCOA FLORIDA E DOCE

JEJUM E PENITÊNCIA EM TEMPO DE QUARESMA

Fartos de diversões, em que todos extravasaram euforia, mascarando a vida, comendo desregradamente, após a folia do Carnaval, eis que surge a Quaresma. Com a imposição das cinzas na quarta-feira, era lembrado ao homem que” do pó veio e ao pó há-de tornar”.
A partir deste dia iniciava-se, outrora, um período de reflexão e austeridade em que a Igreja convidava os seus fiéis a parar para reconsiderar a refazer corpo e alma com penitências, jejuns e abstinências. Nada de folguedos ou alegrias; era tempo de interiorização para preparar a grande festa da Páscoa. Guardava-se o preceito do jejum comendo pouco; e o da abstinência, não comendo carne todas as sextas-feiras da Quaresma. Raros eram os católicos que prevaricavam, havendo mesmo quem, durante o tempo quaresmal, nunca comesse carne. Estes preceitos traziam benefícios não só morais, pela satisfação do dever cumprido, mas também físicos pela desintoxicação que proporcionavam ao corpo.
Mais tarde apareceram as bulas que modificaram um pouco estas regras.
Durante os quarenta dias do período quaresmal nas igrejas não se celebravam casamentos nem baptizados.
Fora das igrejas também não havia festas ou bailes. Apenas se abria uma excepção a meio da Quaresma, no Domingo, demicareme, em que se fazia o baile da pinhata.
Era geralmente na noite deste Domingo que se procedia ao Sarramento da Velha, costume muito curioso do qual falaremos mais tarde em pormenor.
Um mandamento da igreja obriga os crentes a confessarem-se ao menos uma vez no ano. Este era cumprido de preferência nesta altura.
Chamava-se vulgarmente desobriga ou desarrisca porque, após o confesso, o seu nome era desarriscado da lista que o prior tinha e na qual ia anotando quem já estava confessado. O prior, mediante os dados de registo de nascimento que tinha em seu poder, distribuía do seguinte modo o serviço das confissões: um dia para os homens, outro para as mulheres e outro para as crianças em idade do uso da razão.
Abarcava desta forma toda a população e ninguém deixava de ir ao confesso sem o prior ter conhecimento, pois quem não fosse não seria desarriscado.
No Domingo de Ramos realizava-se, tal como hoje, com ar festivo, a bênção e procissão dos ramos. Os ramos de oliveira e alecrim benzidos neste dia eram guardados religiosamente durante o ano, pois acreditava-se que eles afastavam desgraças e atraíam bênçãos para as casas e famílias que os possuíssem.
Nos dias de grandes trovoadas queimava-se nas brasas um pouco deste alecrim a fim de afastar raios e trovões. Além disso era usado com frequência em defumatórios e benzeduras.
 Na Semana Santa muitas tradições e costumes tinham lugar: não se ia ao couval apanhar couves desde Quinta-feira Santa até à hora de aparecer a Aleluia, no Sábado; guardava-se dia santo, isto é, ninguém trabalhava, na quinta-feira de manhã e na sexta de tarde; ao toque dos sinos as pessoas eram convidadas a rezar e fazer penitência. Todas as sextas-feiras da Quaresma se rezava a Via-sacra nas igrejas, percorrendo as estações assinaladas por placas ou cruzes, de maior ou menor arte, colocadas nas paredes.
Durante este período era costume taparem-se com panos roxos todas as imagens existentes nas igrejas ou capelas, só se destapando no Sábado quando soasse a Aleluia.
Em quase todas as igrejas, com maior ou menor pompa, eram realizadas, na Semana Santa, cerimónias como o lava-pés e outras. Algumas ainda permanecem nos nossos dias, outras perderam-se no tempo. Tinha renome, por exemplo, o aparecer da Aleluia na Palhaça.
Na vila de Oliveira do Bairro tinha grande significado, pompa e circunstância a procissão do enterro do Senhor.
Os sermões da Quaresma eram famosos, em certas freguesias, pelos seus oradores, padres vindos de fora, pertencentes por vezes a ordens religiosas, atraíam muita gente pela sua eloquência e dotes de oratória. Noutras igrejas, embora menos concorridos, estes sermões nunca deixavam de se realizar.

           Aida Viegas (do livro OLIVEIRA DO BAIRRO - MEMÓRIAS DE UM SÉCULO)

Comentários

Mensagens populares deste blogue