PRENDAS DE NATAL

       Naquele ano a consoada era, como habitualmente, em casa da Avó Matilde e do Avô João, tinha porém uma particularidade, pois toda a família estava reunida: os seus quatro filhos, genros, noras e os seis netos. Era uma casa cheia.
            Quanta alegria! Quanta azáfama!
            A sala já quase não chegava para albergar a todos, mas, com jeito, lá se acomodaram à roda da grande mesa.
            Na cozinha o bacalhau fumegava, os fritos rescendiam a canela, um misto de aromas espalhava-se por toda a casa misturado com o chocalhar dos risos das crianças, os cantos natalícios e o piscar das luzinhas. Sobre o aparador, o presépio com apenas quatro figuras: o Anjo, S. José. Nª. Senhora e o Menino. Para os pastores e os reis magos não houve lugar, terão de esperar alguns dias para visitar o Deus Menino. E não foi só para eles, que o espaço foi exíguo. Faltava principalmente para albergar tão grande quantidade de prendas, imaginem!
            Cada um dos adultos fez questão de oferecer algo a todos os outros. À medida que iam chegando o monte dos embrulhos aumentava e, de tal forma que o hall de entrada ia ficando atulhado, quase não existindo lugar para a passagem. E ainda ali faltava chegar o Pai Natal que costumava aparecer por volta da meia-noite, sempre carregado, é claro.
            A ceia decorria na maior alegria, entre recordações de histórias doutras meninices, gracinhas dos mais novos, o degustar de tantos mimos, o provar de tantas iguarias; vinho doce, chocolate… Todos estavam saciados, aconchegados no calor da lareira e dos afectos.
            Três batidas fortes na portada da varanda da sala anunciaram a chegada do Pai Natal e sobressaltaram as crianças. A emoção subiu ao rubro. Todos aguardavam com enorme ansiedade aquele momento. Os adultos para verem as caritas espantadas e felizes das mais pequeninas, a Inês de três anos, a Mariana de quatro e a Sílvia de cinco. As crianças para se encontrarem com aquela figura lendária tão do seu agrado e dele receberem os presentes. Nenhuma delas, como convinha, dera pela falta do tio Pedro que momentos antes abandonara a sala.
            Mas apressemo-nos que o Pai Natal está lá fora ao frio e certamente carregado, coitado!
            Foi o Avô quem se encarregou de abrir a porta a tão ilustre visitante e logo as três meninas se precipitaram para o beijarem e abraçarem. Ele recebeu-as com carinho, deixando-lhes um saco enorme repleto de prendas. Não se demorou como gostariam porque eram muitos os meninos que teria ainda de visitar nessa noite fria.
            Todos foram até à porta da casa despedir-se do Velhinho que acenando partiu apressado. Depois, depois era chegada a hora há muito esperada de abrir as prendas. Tinham primazia os mais pequeninos que começaram de imediato a abrir uma, outra e mais outra ainda. Tantas que a sua curiosidade, alegria e entusiasmo foram esmorecendo, embora o frenesim de rasgar os papéis continuasse; sim porque de início começaram com muito cuidado, mas agora era só rasgar, ver o que estava lá dentro, por para o lado, e abrir outra. Os pais, os tios, os avós, todos queriam apreciar e saborear a reacção que o presente que haviam comprado para cada uma iria provocar. Aguardavam pois expectantes a sua vez de serem premiados com a alegria e o espanto que esperavam ver espelhado nas caritas felizes.
             Quando as crianças terminaram estavam rodeadas duma amálgama de brinquedos, fitas, laços e papéis. A euforia continuou por mais alguns momentos até que os adultos começaram por sua vez a distribuir e a abrir os seus respectivos presentes. No meio de tanta confusão ninguém se apercebeu da falta das três pequerruchas, só passados largos instantes a mãe de Inês questionou:
            ─ Onde se meteram as tuas netas, Avó? Sumiram-se?
            De imediato dois dos papás se levantaram para procurar as pequenitas e, qual não foi o seu espanto quando ao chegarem a um dos quartos destinados às habituais brincadeiras dos netos quando visitavam os avós, encontraram as meninas lideradas pela mais velhinha, como era habitual, a brincar às mamãs e imaginem com quê! Exactamente com um boneco já velho, careca, despidinho, de corpito mole, que por ali andava há anos e com o qual a Avó dias antes tinha teatralizado o nascimento de Jesus.
            E os novos presentes? perguntareis. Jaziam espalhados pelo chão da sala, abandonados.
            Perante este cenário alguém comentou:
            ─ Será que não lhes demos demasiados brinquedos?

                           Aida Viegas

Comentários

Mensagens populares deste blogue