Um coração abandonado
Coração Abandonado
Aida Viegas
Certa
tarde, tarde fria de inverno, com um sol radioso, um céu azul salpicado de
nuvens brancas esfarrapadas, um vento fininho que picava e enregelava os ossos,
passeando junto ao mar, encontrei um coração sozinho, abandonado entre pedras e
areia.
As
pedras eram as da calçada. A areia era a que o vento movia em nuvens de tule,
como pássaros em revoada.
O
coração pulsava ainda, debatendo-se exaustivamente para não parar. E mudava,
ora mais pedra ora mais areia conforme a brisa que erguia as finas nuvens que
se elevavam, corriam e paravam esbatendo vestígios de pegadas, ondulando,
amontoando-se, desenhando formas, as mais diversas.
E
o coração ia batendo ao ritmo do vento, num compasso descompassado e sua forma
ia mudando. Moldando-se ao tempo, ao vento, à areia, à pedra, às pisadas que ia
sofrendo dos passantes indiferentes, nada se importando com aquele coração
abandonado, sozinho, preso na pedra, moldado na areia.
E
ele ali permanecia ao sabor de quem, como o vento passava sem o notar, sem lhe
ligar machucando-o, espezinhando-o, desfazendo-o.
Ele
aguentava, aguentava, aguentava…
Até
que a dada altura começou a formar- se uma barreira do lado oposto ao soprar do
vento e na parte mais exposta as paredes foram cedendo.
Num
último esforço tentou refazer-se, afeiçoar-se aos estragos, mas, tanto o
pisaram, tanto o amachucaram que exausto acabou por perecer.
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