SARRAMENTO
DA VELHA
Sarruque,
sarruque. Sarruque, sarruque.
- Ó
velhinha vai mais um fio?
-
Sarruque, sarruque. Sarruque, sarruque.
O
estranho som do “sarruque” era produzido por uma corrente velha de bicicleta a
surrar num cortiço já velho e estragado ou numa tábua carunchosa.
Este
concerto ouvia-se na noite da “demicareme”, à porta dos velhos mais velhos dos
lugares.
Os
brincalhões lançavam o desafio através de um funil e com a voz mudada fazendo
as mais diversas incitações:
-
Sarra a velha e sarra a nova, sarra o cu à Ti Custódia:
- Ó
velhinho, mais um fio?
Tudo
isto era feito em tom brejeiro e jocoso, com carinhosa malandrice, desafiando
os velhotes a tentarem retomar a sua actividade sexual e, ao inquirirem “vai
mais um fio”, incitavam-nos à prática ao menos naquela noite.
-
Vossemecê precisa ser sarrado/a, para viver mais uns anitos!...
Sarruque,
sarruque. Sarruque, sarruque.
-
Queremos voltar outravez para o ano, ouviu?
Sarruque,
sarruque; e os velhos mais gaiteiros e simpáticos sentindo-se lisonjeados e bem
queridos, abriam a porta e ofereciam aos “sarradores” uma bucha e um copo e,
agradecendo a deferência, riam-se com eles, fazendo votos para que voltassem no
ano seguinte, sinal que os velhotes ainda estariam entre os vivos; ideia que os
animava e confortava.
A
coisa mudava de figura quando a dona da casa era uma rabugenta ou não se
considerava velha a ponto de entrar no rol dos que deveriam ser visitados pelos
“sarradores” e pior ainda se fosse uma solteirona ou viúva-alegre. Aí ou ela conseguia
conter a sua raiva e remeter-se ao silêncio, ou os insultava lá de dentro,
chegando mesmo a vir à porta e escorraçá-los, atirando-lhes penicadas mal
cheirosas.
- Aí
vem uma penicada! - gritava um ao menor indício de movimento.
-
Foge que lá vem outra! – diria outro ao ouvir o mínimo ruído.
Nestas
ocasiões, o gozo e a gargalhada subiam ao rubro.
Se
houvesse rapaziada nova entre os elementos do grupo e algum deles tivesse
namorada ali por perto, cujos pais fossem tolerantes e galhofeiros, a malta ia “sarrar”
também nas imediações da sua casa. Isto era levado na brincadeira, sendo todos
recebidos alegremente pelo pai da rapariga que lhes franqueava a adega.
Tal tradição caiu em desuso como muitas outras o que é pena,
pois as pessoas vão ficando cada vez mais isoladas na sua concha: falta-lhes o
convívio sadio e, em consequência sobram-lhes as depressões e outros males
congéneres do corpo e da alma.
Aida Viegas (in OLIVEIRA DO BAIRRO - MEMÒRIAS DE UM SÈCULO)
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