AMENTAR AS ALMAS
(Continuação do texto anterior)
(Continuação do texto anterior)
O grupo
compunha-se de três ou quatro cantadores, um tocador de saxofone, um de
violino, um de trompete e outro que tocava uma campainha; os restantes, em maior
ou menor número, rezavam. Estes homens depois de devidamente ensaiados aos
serões, juntavam-se à porta de cemitério, das capelas ou das igrejas para aí
irem buscar as almas dando assim início ao ritual. Depois, seguiam e iam
parando junto das alminhas, nos cruzamentos e à porta das capelas, repetindo
sempre os mesmos ritos.
O canto
subia no silêncio da noite, dolente e dorido nas vozes fortes dos homens,
acompanhado pelos gemidos do violino e pelo som grave do saxofone: a este que
soava como alerta e prece, juntava-se a oração cadenciada, interrompida com o
toque da campainha e o solo dolente do saxofone.
Tudo isto
nunca deixava de causar sobressalto e um certo arrepio a quem, noite alta era
acordado inesperadamente. No aconchego do leito, recordavam-se os defuntos por
cujas almas se orava e, à medida que as rezas iam continuando e as pessoas mais
despertas se iam consciencializando, o canto passava a transmitir como que uma
agradável calma. No intervalo dos cânticos, após o toque da campainha, todos
eram convidados a rezar; os moradores da zona juntavam-se ao grupo orando, em
suas casas silenciosamente, certos de que a morte pode bater à porta de
qualquer um quando é menos esperada.
O grupo
percorria assim todo o lugar regressando, por fim, ao cemitério onde ia
entregar de novo as almas à sua paz eterna. Ultimamente começou a tornar-se
uso, em alguns locais onde o grupo parava, oferecer-se aos seus elementos um
copo para “molhar a garganta” embora tal prática não fizesse parte da tradição
antiga.
Dos anos
mais longínquos apenas ficaram, através da transmissão oral, muito poucos dos
versos originais.
Os que
restaram vamos aqui registá-los.
Aida Viegas (in OLIVEIRA DO BAIRRO-MEMÓRIAS DE UM SÉCULO)
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