Eu Não Sou Ninguém   
 

          Não faz muito tempo que tendo sido convidada para participar num almoço de aniversário de um jornal semanal, regional, do qual eu era colaboradora na época, o director começou por se apresentar, pedindo aos convidados para lhe seguirem o exemplo, pela ordem em que se encontravam sentados à mesa.

          A ronda foi seguindo, e cada um dos presentes, enunciando o seu nome dizia:

─ Sou fulano, presto tal tipo colaboração ao jornal, tenho tal profissão, nasci em tal lugar, e resido em tal sítio.

Todos ouvíamos atentos e saudávamos cada um em particular.

A certa altura chegou a vez de uma senhora, com um ar distinto, mas bastante modesto, que se levantou como os demais, e após um curto momento de silêncio, declarou:

           ─ “Eu não sou ninguém,” não presto colaboração nenhuma. E depois de uma curta pausa, durante a qual todos aguardaram em absoluto silêncio, acrescentou: ─ sou apenas a esposa do colaborador José Fonseca que acaba de se apresentar.

          Como uma mola, algo disparou dentro de mim. E logo, iniciada por minha pessoa, e seguida de imediato por todo o elenco feminino, irrompeu na sala uma calorosa salva de palmas, corroborada, um pouco tardiamente, pela parte masculina.

Senti-me comovida, constrangida e revoltada, com tanta dignidade, mas em simultâneo com tanta humildade e resignação. Tinha perante mim o retrato inequívoco a que, em certos sectores da nossa sociedade, as mulheres ainda estavam confinadas.

E se, dentro da geração mais nova, hoje esta cena já seria quase impossível de presenciar, é preciso não esquecer que em muitas outras circunstâncias a mulher é coagida, por inúmeros preconceitos e imposições, a ficar calada e é contra esse silêncio opressivo que temos de nos insurgir.
 
Aida Viegas (in Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro)

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