Olhando um Gigante Enfurecido


Cansada de aspirar o maléfico cheiro a tinta da sala da minha casa que acabara de renovar, enchi-me de coragem e fui até junto do mar limpar os pulmões com a pureza do ar que ali se respira.
Aproximei-me com cautela pois a meteorologia indicava tempestade e apesar de a temperatura estar amena verifiquei que o mar deveria ter andado junto do farol dado que, ainda por ali se viam poças de água à mistura com montes de areia molhada. Porém, no momento, as ondas morriam a uma distância segura do local onde me encontrava.
Quedei-me sentada por detrás do grande farol olhando a entrada do canal de acesso ao porto, estendendo os olhos pela vastidão do oceano.
O sol mal conseguia espreitar por entre as nuvens negras e compactas. O mar estava plúmbeo espelhando o céu mas o ar sereno.
Ao longe, entre os dois faróis instalados nos topos dos esporões que o homem há pouco, empurrara mar adentro, para protecção dos navios que demandam estas paragens, ondas alterosas entravam em fúria correndo encosta acima pelo paredão sul, lambendo toda a sua superfície, iam até ao topo e só se aplanavam, perdendo a fúria, muitos metros adiante, no canal.
Desafiantes e arrojadas poucas figuras humanas, expostas a alguma surpresa desagradável percorriam incautas, o paredão norte. As gaivotas mais prudentes haviam desaparecido do horizonte refugiando-se em terra, entre o casario da praia ou mais longe, na cidade.
Ali permaneci uns momentos, na quietude que me traz o mar, purificando corpo e alma, saboreando a pureza do ar e extasiando-me com a paisagem.
As ondas continuavam furiosas a varrer os paredões e eu a olhá-las, bem de longe, admirada do seu furor incontido, espantada com tamanho atrevimento. De repente fiquei estática, transida de medo ao ver vagalhões imensos galgarem o paredão, tal como se estivessem a saltar à corda. Quantidades incalculáveis de enormes massas de água erguiam-se nos céus e caíam varando o paredão de sul para norte, parecendo querer inundar o mundo. Repetidamente subiam e desciam sobre o paredão num espectáculo de força incontrolável, de luz, de turbilhão, de grandeza e presença aterradora; anunciando ao homem que nada pode contra a natureza por mais barreiras com que a queira deter, quando um gigante, tal como o mar, se enfurece.
 - Cuidado, parecia dizer o mar – não me desafiem. Eu aqui estou tanto para vos beijar os pés, como para vos despedaçar, ou engolir, dependendo do vosso comportamento.
Do outro lado, em mar aberto, ondas alterosas formavam-se bem longe e corriam em turbilhão lançando-se sobre a areia da praia, umas a seguir às outras, em fúrias avassaladoras.
Um rugido imenso e ameaçador ia envolvendo todo o espaço e aumentando assustadoramente.
Depois de ver um navio mercante sair a barra e ao entrar em mar aberto dançar como uma frágil casca de noz sem conseguir tomar rumo, pensei ser altura de me afastar. Despedi-me desse gigante irado porque o dia declinava mas, não antes de me arrepiar ao ver um casal jovem com três crianças pequenas descer ao areal e abeirar-se do rebentar das ondas, embora se encontrassem na praia entre os paredões. É que, por vezes essas ousadias dão ocasião a grandes desgraças.

Aida Viegas
                             4, de Janeiro de 2018.

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