Do livro 
"Malhapão Rico - Confidências à Sombra do Sobreiro"

                                                             (Autora - Aida Viegas)

                                                      Introdução


A Nossa Terra

Perdeu-se na memória dos tempos a era em que nos campos férteis desta zona se começou a erguer muros ou paredes que deram origem a casas, certamente muito modestas, que viriam a albergar os primeiros habitantes desta linda terra. Os registos não eram feitos e, como consequência, encontrámos poucas referências que nos possam localizar no tempo já remoto em que nasceu Malhapão. Limitamo-nos quase às recordações que retemos na lembrança, dos nossos dias de crianças felizes, onde tudo era belo e possível, dada a nossa fértil imaginação. A par dessas recordações ressoam ainda as vozes de pais, tios, avós, vizinhos que, ao serão, junto à lareira, ou em tardes longas, como longo era o tempo de então, nos contavam o que viveram ou ouviram de quem os antecedeu e lhes relatou vidas passadas e as respectivas lembranças com que recriavam cenas, contos, ditos, de anos, séculos, de tempos imemoriais. Porém, para lá do carinho, de toda essa conversa, desse relato dessa transmissão oral, estende-se um manto de neblina que nos turva o olhar e nos impede de prosseguir na descoberta que, nem livros, nem jornais, nem escritos de qualquer ordem nos ajudam, porque simplesmente não existem.
Falaríamos da nossa terra durante o resto da nossa vida pois, a nossa terra e a nossa vida sempre fizeram parte integrante, uma da outra e arriscamo-nos a dizer que acontece o mesmo com a maioria das pessoas. Mas iremos apenas traçar umas leves pinceladas sobre um tempo que passou e, não volta mais.
Hoje tendo ao nosso dispor todos os meios, desde o ensino que nos foi ministrado às novas tecnologias, com máquinas que quase nos ensinam a escrever, chegando ao ponto de detectarem os nossos erros, não temos desculpa que nos valha para não registarmos e deixarmos aos que nos irão seguir, por simples que seja, um relato daquilo que, a nós, nos pareceu mais emblemático ou importante. Um testemunho que sirva no mínimo de semente para que outros continuem e, muitos, daqui por muitos anos, saibam algo de nós, de nossos pais, de nossos avós, da nossa história, da nossa terra e até do nosso Sobreiro. É esse dever cívico que nos propomos fazer neste documento de análise pessoal, onde procuramos ser isentos (o que, confessamos, nos parece ser ideia utópica mas, tentada com boas intenções). Outros virão que farão de outra forma. Apraz-nos sermos pioneiros e legarmos este presente aos nossos familiares, amigos, conterrâneos, estudiosos e curiosos.
Falar da nossa terra é quase sempre um prazer indescritível, com sabor a pão acabado de cozer, a sol, a terra molhada, a meninice, a brincadeiras, a risos, a histórias ouvidas ou vividas, enfim, um rosário de emoções.  

A nossa terra, para a maioria das pessoas é, e será sempre, o lugar mais bonito do planeta, o centro do mundo. Não certamente por termos falta de visão, por sermos tontos ou não sabermos avaliar, mas sim pelo coração, esse órgão ao qual atribuímos os sentimentos e os afectos, talvez por ele ser o centro da vida, aquele que tem razões que a razão desconhece.
O lugar onde vimos pela primeira vez a luz do dia, onde crescemos, demos os primeiros passos e vivemos os anos inocentes da nossa meninice e melhor, se por aí se desenrolaram os tempos de juventude, então a ligação é tão forte, que não há tempo nem distância que nos façam olvidar aquele cantinho, por mais humilde e remoto, onde aprendemos a balbuciar as primeiras palavras, tivemos os primeiros sonhos, onde rimos e chorámos, cantámos e bailámos. Olhámos extasiados o céu, trememos ao ouvir os trovões, vimos voar os pássaros e nascer a água que nos refrescou e matou a sede. Vimos abrir as flores e brotar da terra uma nova planta que não era mais que um simples e minúsculo grãozinho. Onde sentimos a alegria, a mágoa e a tristeza que por vezes nos afoga. Esse lugar é sagrado e ao afastarmo-nos pelas circunstâncias da vida deixamos sempre ali parte de nós, o que nos faz impiedosamente querer regressar, nem que seja por um curto espaço de tempo, nem que seja pela última vez. É um feitiço ao qual poucos resistem, este apego, este chamamento constante e caloroso. Malhapão Rico é o ninho onde nasceram e ensaiaram os primeiros voos muitos malhaponenses, uns que noutros tempos por cá passaram toda a sua vida, outros que seguiram caminhos longos e variados, alguns até terminando os seus dias longe, bem longe, do seu torrão natal. Esta aldeia, bem situada em determinado sentido, esteve muitos anos isolada por falta especialmente de estradas e meios de transporte, sendo pouco protegida durante longos anos, mas o seu povo decidido procurou sempre, na medida das suas possibilidades, seguir em frente, nunca se detendo com as dificuldades inerentes ao seu isolamento.
E ela aqui está, modernizada, acolhedora, diferente, muito diferente. Nesta mudança do século vinte para o século vinte e um, tudo cresceu por aqui. Cresceram casas, em número, em estética e qualidade, cresceram as pessoas em qualificação e instrução. Cresceu a urbanidade, cresceu o encanto da aldeia que continua mantendo as suas principais características.

                                                Aida Viegas

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