A ANDORINHA DA SÉ
(Texto inédito)
Era Domingo, dia de Baptismos, dia
da Mãe e dia da primeira comunhão na Sé de Aveiro. Cento e vinte crianças
receberam pela primeira vez a Hóstia Consagrada.
Mês de Maio, dia bonito para uma
andorinha vir visitar a Igreja Catedral.
De certo não era apenas a
curiosidade que a movia, embora não esteja fora de questão o facto de ela pretender
saber como os cristãos louvam o seu Deus num dia tão especial. Cremos porém,
que para além da curiosidade ela entrara porque era portadora de uma mensagem
não só para as crianças mas também para todos os crentes.
Não era a primeira vez que víamos um
passarinho entrar na igreja e por ali se demorar alguns momentos.
Quando chegámos por volta das onze e quarenta, para a missa
do meio-dia deparámos com a avezita voando aflita, num rodopio, de um extremo
ao outro das naves laterais, depois inflectindo sobre a nave central, virando,
revirando em voltas e reviravoltas exaustivas e infrutíferas, jogava-se
desastradamente contra as vidraças do tecto, iludida com a claridade que
através delas se coava, pensando talvez que ali se encontraria a fuga para a liberdade
que se lhe afigurava irremediavelmente perdida.
A porta principal encontrava-se
aberta bem como o guarda-vento; porém a pobrezita, desorientada, debatia-se, de
um lado para outro, não parando mais que uns segundos a tentar tomar rumo, após
o que recomeçava os seus voos aflitos tentando a todo o custo encontrar a saída
que ela não via. Assim passou uma longa hora a debater-se sem êxito e já
exausta quedou-se poisada na cúpula central por uns momentos mais longos.
Foi ao olhá-la ali muito quieta que
descobri a mensagem da qual era portadora.
Tal como a andorinha também nós por
vezes na vida, enveredamos por caminhos ínvios por onde nos embrenhamos e
vagueamos sem encontrar rumo. Enquanto fogosos, eufóricos, ou desorientados
tentamos prosseguir, é muito provável que não encontremos saída e por vezes
cansados e depauperados, baixemos os braços não conseguindo ultrapassar as
barreiras que se nos deparam, debatendo-nos, tal como ela, ingloriamente. Então
a esperança foge do nosso horizonte e a luz que brilhava ao fundo do túnel
acaba por extinguir-se deixando-nos como que irremediavelmente perdidos e
desesperados. Tudo por falta de confiança, por não pararmos para reflectir que
os filhos de Deus nunca são deixados ao desamparo, sem uma saída. Acontece porém,
que tal como esta andorinha rodopiamos freneticamente e por consequência não
conseguimos vislumbrar a porta que se encontra aberta à nossa frente à espera
que nós a cruzemos para podermos partir e encetar novos voos através do espaço.
Ao sentirmo-nos assim confundidos e
sem arrimo pensemos na andorinha da Sé em domingo de Maio.
O céu lá fora brilha com um sol
radioso e nós prisioneiros entre muros e vidraças.
A porta estará talvez aberta de par
em par, bem à vista de todos, apenas invisível para nós, que, na urgência de
sair, a não conseguimos encontrar.
Há que confiar, parar e ponderar
calmamente antes de nos digladiarmos e ferirmos, sem sucesso, contra as barreiras
que nos obstruem o caminho.
Aida Viegas
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