A
Prosápia do Carteiro
Por aquelas bandas, aliás como quase por todo o país, ao tempo, os
carteiros, tinham-se na conta de sabedores, já porque encontravam no seu
percurso de zona de distribuição muitos analfabetos, já porque sabiam muito da vida
das pessoas, quer pela correspondência que elas sistematicamente recebiam, quer
pelas conversas que eles travavam e ouviam.
Naquele dia encontrava-se um grupo de amigos à conversa num café lá da
terra, e nesse grupo incluía-se um casal que acabara de chegar, depois de ter
passado muito tempo em África. Estavam entretidos conversando quando chegou o
carteiro, homem de meia-idade, estimado e muito senhor da sua posição
privilegiada, entre os populares.
Com posse e cortesia estudadas, começou a cumprimentar todas as
pessoas, apertando-lhes a mão. Chegada a vez do dito casal, presente no grupo,
o homem, aperta a mão à senhora dizendo-lhe:
─ Como está dona Celeste?
De seguida, sempre altaneiro, dirigiu-se ao marido, estendendo-lhe a
mão:
─ Como está senhor João?
Fê-lo tão rápido, e em tom tão decidido, que aqueles a quem
cumprimentou nem tiveram tempo sequer de ripostar. Ele, porém, muito senhor do
seu papel, certo de que acabara de cometer uma enorme proeza, parou, e com um
ar radiante perguntou ao cavalheiro:
Agora adivinhe lá, como é que
eu sei o seu nome?
Todos os presentes, que aguardavam embora em silêncio, mas com
expectativa o desenrolar da cena, desataram a rir.
O esperto do carteiro perante a reacção de quem o ouvia, quedou-se,
meio embaraçado. O que esperava seria um aplauso, pelo seu conhecimento, mas
não o recebendo e não sendo contestado por ninguém, encarou o grupo e perguntou:
─ Disse alguma asneira, ou tratei mal alguém, amigos?
E como os visados não se manifestassem, um dos presentes, de pronto
esclareceu:
─ Houve apenas um pequeno equívoco.
É que esta senhora, não é a dona Celeste mas sim a sua irmã, Rosa. E o
senhor João, está-se mesmo a ver, não é o João mas sim o seu cunhado, António.
Totalmente decepcionado com a sua esperteza, sem saber onde se enfiar,
escusado será dizer que o homem se desfez em desculpas.
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