As Laranjas do
Vizinho
Quando eu era novo costumava de vez em
quando saltar os muros e ir apanhar umas laranjitas nos quintais dos vizinhos.
Um dia fui com uma malta, entrámos lá num quintal, que tinha laranjas, e
andávamos muito bem a apanhar nelas, quando entretanto apareceu o dono e
começou a ralhar:
─ Há meus malandros! Meus marotos!
A malta desatou a fugir. Eu corria quanto
podia, mas o homem vinha no meu encalço, quase a apanhar-me. A dada altura ele
começou a gritar com quanta força tinha:
─ Pára! Pára! Pára! Pára! Pára.
Eu, que só pensava em fugir, ao ouvir, a
sua voz forte e toda aquela insistência, não sei porquê, mas o certo é que
parei mesmo. Estaquei de repente, e gelei de medo e espanto, pois com a pressa
da corrida, nem vira para onde me dirigia, e só nesse preciso instante me
apercebi, de que estava mesmo ali à minha frente, rente ao chão, envolto em
silvas, um poço daqueles enormes, de rega, sem protecção alguma, o qual eu não
via, porque o meu objectivo era correr, correr, apenas com o intuito de me
escapar ao dono das laranjas. Se eu tivesse dado mais uns passos, teria
mergulhado dentro do poço, e talvez não saísse de lá vivo! Tantos têm morrido
nestas circunstâncias!
O homem que me seguia, mesmo não sabendo
quem era o garoto que perseguia, por o encontrar juntamente com outros a tentar
roubar-lhe as laranjas, ficou estarrecido com a eminência de eu me afogar,
porém ao aproximar-se mais de mim, que fiquei pregado ao chão, com o susto de
cair ao poço, olhou-me de perto, reconheceu-me, e branco como a cal da parede,
parece-me que ainda o estou a ver, exclamou:
─ Oh! Tu és filho do meu amigo, do meu
colega, Feliciano! Santo Deus!
Afinal o homem era o senhor Joaquim,
maquinista dos caminhos-de-ferro, como o meu pai, seu colega e amigo. Aflito
disse-me:
─ Vai-te lá embora, miúdo, some-te, que eu
hoje já não ganho para o susto. Depois eu falo com o teu pai.
Dia após dia, esperei com o coração
apertado o momento em que meu pai chegaria porta dentro, depois de ter
conversado com o amigo, e chamaria por mim gritando para que me explicasse e
logo a seguir me aplicaria um solene correctivo. Mas os dias foram passando e
eu fui ficando mais tranquilo ao ponto de quase me esquecer do episódio.
A verdade é, que o meu pai nunca me falou
no assunto, certamente o susto que o senhor Joaquim levou, o dissuadiu de
contar ao colega a aventura do filho, razão pela qual me livrei de um grande
enxurro de porrada, porque o meu pai não era para brincadeiras.
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