A Gelfa      

              Estas terras, que na Bairrada eram chamadas de Areias, foram denominadas por muitos, com sentido, por vezes depreciativo, de Gelfa, terras velhas e pobres que davam apenas pastagens. Nesta designação eram englobadas as freguesias de Santo André, Santo António e ainda o lugar de Lombomeão.
              As gentes das Areias, como a maior parte das pessoas que viviam espalhadas por todas as aldeias, de norte a sul de Portugal, tinham uma vida pacata mas muito dura. Viviam do amanho da terra, sujeitas a todas as contingências do clima e à inexistência de um mercado organizado, onde os seus produtos pudessem ser valorizados.
              Tal como de alguns lugares do deserto se fizeram oásis, também aqui, das dunas quase sem vegetação, se fizeram campos férteis, onde várias culturas se desenvolveram com abundância, pelo esforço persistente do homem e a que não foi alheia a fertilização proveniente do moliço. Essa abundância foi sem dúvida um dos atractivos para a fixação de povos que se desenvolveram e hoje vivem em aldeias bonitas e bem estruturadas.  
              A incrementação da floresta e o plantio da mata foi uma das medidas que muito beneficiaram estas terras e estas gentes, não só pela retenção das areias e dos ventos e como é óbvio, maior pureza do ar que se respira, mas também pela mais valia acrescida a estes lugares, gerando vários recursos, tais como a madeira, a lenha, o mato e o emprego. Toda esta zona, depois de florestada a orla marítima, se transformou numa fértil planície. A flora e a fauna, diversificaram-se muito, não sendo de desprezar os pontos de lazer de que os habitantes passaram a poder usufruir.                         
              Antes de semeada a floresta, lembram-se alguns petizes de então, hoje homens de cabelos e barba branqueados pelo passar dos anos, de como mudava, com a época do ano e com o tempo que fazia, a estrutura das longas dunas, que se estendiam por quilómetros sem fim por toda esta costa plana e desabrigada.
               As areias moviam-se com o vento, invadindo muitas vezes os terrenos cultivados e formando dunas altíssimas que chegavam, por vezes, a cobrir os pinheiros mais próximos. Durante o Verão, quando soprava vento norte mais forte, deslocavam-se as dunas todas para sul. No Inverno geralmente retomavam o seu lugar, quando estava tempo seco e o vento as empurrava em sentido oposto. Só quando a zona florestal foi plantada e os pinheiros aí começaram a crescer as dunas se fixaram.
              Os garotos deliravam brincar por ali, rolando duna abaixo, ou dando cambalhotas enroscados sobres si mesmos, como uma bolinha. Lembram ainda esses mesmos catraios, (E com que saudade!...) o prazer que era tomarem banho, durante todo o ano, mesmo no pino do Inverno, na ponte do Boco, de onde se lançavam à água, em que aprenderam a nadar. Não podendo também esquecer-se dos passeios de barco, feitos na vala dos Cardais, hoje reduzidíssima no seu caudal, mas antes navegada muitas vezes pelos miúdos que, com a gamela onde as mães amassavam a broa, improvisavam pequenos barcos, para ali se divertirem.
              Em toda a zona, desde as Gafanhas até para lá de Mira, antes de existir a floresta, apenas se viam pequenos arbustos e ervas rasteiras. Nas zonas mais baixas formavam-se, quando chovia muito, no Inverno, o que era frequente, pequenas lagoas, que ali permaneciam durante grande parte do ano. Quando as águas começavam a baixar, aí se podiam encontrar muitas enguias, que tendo subido pela vala foreira ficavam retidas, sem terem para onde fugir. Eram uma delícia, no seu fino gosto, confeccionando-se com elas as célebres enguias fritas ou a deliciosa caldeirada. 

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