Fontes
Em tempos idos era no caminho da
fonte que os rapazes esperavam as moças do lugar, para as verem passar, com as
cântaras cheias de água, ou os alguidares da roupa, à cabeça, para lhes
lançarem piropos, as acompanharem e lhes fazerem juras de amor. Foi também no
caminho da fonte que Santo António, o padroeiro dos namorados, reconstruiu as
cantarinhas, das cachopas que, distraídas com os seus derriços, as deixavam cair,
ficando em mil pedaços.
Nestas terras, de famílias
numerosas, por isso cheias de juventude, aos Domingos, sobretudo os rapazes,
tinham como obrigação apanhar o pasto para o gado, antes ou depois da missa,
conforme o horário desta. Feito isto e tendo assistido à missa, deveriam ainda
ir ao terço pela tardinha, ficando com a outra parte do dia livre, isto é, o
resto do tempo estava por sua conta. As ruas do lugar enchiam-se, então, de
juventude, ranchos de raparigas e rapazes passeavam-se alegres e descontraídos,
aproveitando a ida à igreja e à fonte para namorar. Ir à fonte era um ritual
durante o qual as raparigas esperavam encontrar namorado, ou pelo menos um
conversado que as acompanhasse de volta a casa. Algumas menos afortunadas chegavam
a ir à fonte uma, duas ou três vezes, no mesmo dia, até lograrem o seu
intento.
O “Lavar da roupa suja” expressão
que ainda hoje se aplica a quem fala da vida alheia, tem por base as conversas
tidas na fonte, espaço propenso à coscuvilhice.
Quem
diria que estes lugares, de
importância primordial na vida dos antigos, até a algumas décadas atrás, pois aí
iam buscar toda a água de que necessitavam, não só para beber, mas também
muitas vezes para as funções domésticas, além de ser nas fontes que as mulheres
lavavam a roupa, viriam nos dias de hoje, a ser lugares desprezados e sem
préstimo? Tudo isto devido à poluição que chega até nós, por diversos meios e que
o homem não tem sabido conter, mas também, graças ao desenvolvimento
tecnológico. A água já não merece confiança por ter perdido a sua pureza e não
se poder beber com segurança. A roupa lava-se em casa, onde a máquina poupa
horas de exaustivo trabalho e onde a água chega através da canalização.
A lavagem da roupa, um processo
demorado e por vezes bem penoso, competia às mulheres. A roupa branca
necessitava de ser corada, isto é, estendida ao sol com sabão para branquear e
tirar nódoas, que muitas vezes nem assim desapareciam, tendo a roupa de ser
metida no cloreto, que se comprava em pó, nas mercearias; cinco tostões, era um
cartuxo daqueles, feito à mão, em papel pardo, e dava para um alguidar de
roupa. Nos coradoiros, durante a cora, era indispensável que a roupa se
mantivesse húmida, e para tal era necessário alguém deslocar-se aí, várias
vezes ao dia, para salpicar a roupa estendida com água que atirava com a mão;
geralmente esse trabalho de “ir molhar a roupa” era feito pelas crianças, ou
pedido, de favor, a uma vizinha que ficasse ainda na fonte. Só depois de
ensaboada, corada, esfregada, passada por várias águas, torcida e sacudida a
roupa estava pronta para pôr a secar. Não era raro esta labuta estender-se por
dois dias, tendo a mulher em casa filhos para cuidar, comida para fazer, o lume
para acender, a louça para lavar, e o homem à sua espera, para ela o ajudar nas
lides do campo e para outras coisas mais…
Apesar de o nível freático ser
muito baixo na região não era fácil, por estas terras, a construção de fontes,
dado ser uma zona muito plana e não se encontrarem nascentes com facilidade.
A fonte que por aqui tem mais
história e é, possivelmente, a mais antiga, é a dos Moliceiros, construída lá
pelos anos 20/30, no Lameiro da Serra, onde os barqueiros se vinham abastecer
de água potável. Segundo consta, vinham pela noitinha, para juntamente com a
jarra da água, levarem consigo, para a ceia, sem dar nas vistas, umas batatas,
umas couves ou qualquer outra coisa do género que encontrassem, à mão de
semear, nos terrenos ao longo do caminho. Hoje encontra-se esta fonte
restaurada, embora sem grande utilidade, constituindo apenas um marco
histórico.
Existiu no Lameiro do Mar a Fonte de Santo
António e uma outra no Lameiro da Serra com tanques e coradoiros.
A Fonte da Sª do Remédios é uma
das mais recentes e fica na Quintã.
Na Lomba também existe ainda uma
fonte datada de 1927, onde se ia buscar a água para beber e onde se lavava a
roupa. Esta foi sendo arranjada ao longo dos anos, mas hoje, como quase todas,
está desactivada. Lembram-se, no entanto, ainda algumas mulheres da Lomba, que
quando tinham peças mais grossas para lavar, tal como mantas, passadeiras, etc…
se tinham de deslocar ao Boco para as poderem lavar, mais à vontade, nas águas
correntes das azenhas. Era costume dizer, que “iam à levada”.
Recordamos ainda a fonte do Rio de Além
situada a uns 50 metros do limite da freguesia, junto da Quinta da Mónica, onde
grande parte da população desta zona se ia abastecer de água e lavar a sua
roupa.
(in Santo António a Freguesia e o Padroeiro)
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