O DEPENAR DO FRANGO
O DEPENAR DO FRANGO (do livro Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro)
Na
segunda metade da década de sessenta, vivendo Adelaide numa aldeia onde apenas
existia a mercearia tradicional onde se vendiam apenas alguns artigos de
primeira necessidade, alias nas cidades ainda mal tinham começado a abrir os
mini mercados, só havendo mesmo em todo o país, a cadeia do Pão de Açúcar.
Quando o talho na sede da freguesia apenas abria dois dias por semana e só
vendia carne de vaca. O porco, as galinhas, os coelhos eram criados junto de
casa e o carneiro apenas se comia em dias de festa.
Qualquer
boa dona de casa deveria saber preparar as galinhas que quando compradas era
vivas e prepará-las implicava matar, depenar, amanhar e cortar.
Adelaide
tinha três filhas e procurou ensiná-las a preparar as galinhas tal como sua mãe
havia feito com ela. As criadas nesta época já começavam a escassear. A filha
mais velha bem depressa aprendeu a matar o animal e todas as etapas seguintes
e, enquanto o diabo esfregava um olho, ela preparava um frango. A do meio já
sabia depenar e amanhar. À mais novita ainda só lhe era pedido que depenasse,
pois, a aprendizagem era faseada. No entanto, nem isto, ela gostava de fazer.
Tinha tal repúdio por pegar nos animais que só a muito custo e com muita
relutância o fazia.
Certo
dia em que a mãe a encarregara de depenar uma destas aves, passou-se imenso
tempo sem ela dar por concluído o trabalho e a mãe que cuidava de outras
tarefas, ouvia-a rir e mexer muito mas, nada de anunciar o fim do serviço. De
quando em vez a mãe perguntava-lhe se já havia concluído ao que ela
sistematicamente respondia, só depois de muito instada e com voz quase inaudível
que ainda não.
Depois
de passado muito tempo e já sem paciência para fazer outra vez a mesma pergunta
a mãe resolveu ir espreitar o que a filha estava a fazer para demorar tanto a
cumprir a sua tarefa. Pé ante pé, aproximou-se do local onde a filha se
encontrava sem ser vista por ela e então percebeu porque sentia barulhos e a
ouvia rir com frequência. Tinham lá em casa um cãozito chamado Bobi e a filha
resolvera eleger o cão como seu estreito colaborador de forma que acenava-lhe
com o frango voltando para ele as penas ensanguentadas, ele mordia-as com força
e logo que as sentia presas ela do outro lado puxava de modo a elas se soltarem
e, estes gestos iam-se repetindo, a espaços maia ou menos periódicos consoante
a vontade do cachorro e o poder de persuasão da autora. Aqui residia a demora
da tarefa e o riso constante, provocado pela perícia do Bobi e o seu encaixe no
esquema.
Aida Viegas
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