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" Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro"
" Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro"
O Cobrador da Luz
Certo dia alguém tocou à campainha do meu
apartamento. Eu encontrava-me na casa de banho, porém não me preocupei, porque
ouvi tocar, de seguida a campainha de outros andares, e de imediato dei conta
que alguém abriu a porta da entrada.
Era o ritual próprio dos distribuidores de
publicidade, que tocam em várias campainhas quase em simultâneo, para uma delas
abrir, e eles poderem entrar e colocar os panfletos nas caixas do correio,
situadas no interior da entrada do prédio.
Aconteceu porém, que quando saí da casa de
banho, a minha empregada, que andava na limpeza da casa me avisou que haviam
tocado à campainha.
Disse-lhe que ouvira, mas que já alguém
tinha aberto a porta, que deveria ser publicidade. Porém ao responder-lhe,
falei alto e deve ter-se ouvido da parte de fora, pois do exterior, logo uma
voz de homem bradou:
─ Abra por favor. É para ver o contador
da luz.
Rapidamente me dirigi para a porta e a
abri. Cumprimentando o senhor, que se apresentava com o crachá da E.D. P. na
lapela, e um bloco típico na mão, disse-lhe que entrasse.
O homem encontrava-se visivelmente
aborrecido, e à medida que entrava foi dizendo:
─ Isto é preciso ter paciência! Anda uma
pessoa aqui acima e abaixo, a tocar às campainhas, e ninguém abre a porta,
queremos fazer a leitura, e temos de andar a bater, a bater, para que as
pessoas nos atendam. É um castigo!
─ Tem toda a razão. Mas sabe? Hoje em dia
somos importunados tão amiúde, por pessoas indesejáveis, que por vezes já nem
atendemos como deveríamos, quem nos demanda por bem. Mas não vale a pena
zangar-se, pois a vida é um constante exercício de paciência. É preciso ter
calma.
─ Sim, de acordo, mas há profissões e
profissões. Esta minha é demais! Não há pachorra! Ando farto disto. Não há
paciência que aguente. ─ Concluiu o homem, despedindo-se.
E já de saída, com o desânimo à mistura com
a raiva, estampados no rosto, começava a subir as escadas para o andar de cima.
Com o intuito de o descontrair um pouco
ainda lhe disse à laia de despedida:
─ Não desanime, que
se o seu trabalho por vezes é difícil, o meu não é melhor. Olhe, sabe quem é
que tem uma profissão boa? ─ Fiz um compasso de espera, intencional, durante o
qual, o homem, que parara no primeiro degrau da escada, me olhava entre curioso
e mal-humorado, e continuei. ─ É a minha vizinha. Ela é que tem o melhor
emprego do mundo.
Com ar de poucos amigos, intrigado e
perscrutador o cavalheiro pergunta-me curioso:
─ E qual é o emprego da sua vizinha,
pode saber-se?
─ Não faço a mínima ideia. ─ Respondi.
Ele fitou-me quase indignado. Eu porém
sem lhe dar tempo de reagir continuei.
─ Nem sei o que ela faz, nem tão pouco,
o que fazem a maior parte das pessoas aqui do bairro. Talvez erradamente, mas a
profissão deles não me preocupa nem um bocadinho, por isso, acho óptima, a
profissão da minha vizinha, e a dos outros. Enquanto a minha… E a sua! Pelos
vistos, nem se fala… Se soubesse o que eles fazem, talvez não me atrevesse a
queixar-me…
Tenho a certeza que há muita gente que
está muito pior, que qualquer um de nós. Já não falando nos desempregados.
─ Olhe que não deixa de ter razão minha
senhora…se nós pensarmos bem… mas por vezes só vemos o que nos arrelia, é a
vida!
Obrigada por me fazer reflectir. Creia que
até já vou mais bem-disposto. Por vezes faz bem falar com as pessoas, faz-nos
ver as coisas, e pensar de outro modo.
E lá partiu, levando o semblante
desanuviado e um sorriso no rosto.
Aida Viegas

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