Do livro
"Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro"
Um Dia de Sorte
"Histórias de Bolso das Gentes de Aveiro"
Um Dia de Sorte
Durante o meu
curso, a universidade onde estudava organizou uma visita de estudo à Alemanha e
à Áustria. Fui incumbida, por uma amiga minha, de lhe comprar um determinado rádio
em Frankfurt. Para satisfazer o seu pedido tive de me deslocar ao centro
comercial Taunus, longe do centro da cidade, pois só lá se encontrava à venda. Custou-me
mas lá fui, para lhe fazer o jeito. Com a pressa nem experimentei o aparelho na
loja.
De regresso ao hotel, já cansada, descansei
um pouco, e lembrei-me então de verificar se o rádio estaria em boas condições.
Liguei-o, e para meu desalento, não funcionava, e eu não o podia levar assim,
era imperioso trocá-lo. A minha amiga merecia o sacrifício. Tínhamos a seguir
uma visita a uma casa onde se vendia a cidra e nem que eu perdesse a visita, a
prova e o convívio, não desistiria de lhe proporcionar aquele prazer, de ter um
modelo de rádio único, e por bom preço.
Combinei com o professor que nos
acompanhava, que iria trocar o rádio, voltaria, e os iria encontrar já na dita
cidraria, se é que lhe posso chamar assim. Porém mais uma vez tive azar, quer
na compra do bilhete do autocarro, quer na decisão precipitada que tomei ao
sair em plena via rápida. Mas eu era generosa e determinada.
Comecei por me meter no autocarro sem reparar
que ali, o bilhete era vendido pelo próprio motorista. Sentei-me à espera que
alguém me viesse vender o bilhete, mas como é óbvio, ninguém veio. Quando dei
pelo erro, já era tarde. Muito envergonhada, com medo que aparecesse o revisor
e me pedisse o bilhete, mantive-me muito sossegadinha no meu lugar. Antes porém
de chegar ao final da viagem, saí. Saí numa paragem de uma via rápida, que
tinha no centro um separador, em cimento, antes do autocarro dar a volta, por
isso do lado oposto ao que me convinha, tendo assim de atravessara divisória, e
recordo-me que levava vestida nessa altura, uma saia travadinha. Saí no lugar errado,
e verifiquei aflita que não conseguia passar a barreira de separação. Por
sorte, apareceu, nem eu sei de onde, um Alemão que com grande gentileza me
pegou ao colo e me colocou do lado de lá. Meia atrapalhada agradeci ao homem, e
dei graças a Deus, por me ter mandado aquele auxílio.
Fui ao centro Taunus, troquei o rádio e
regressei à paragem do autocarro.
Era no mês de Abril. Como é sabido a
Alemanha não tem o nosso clima, e portanto em Frankfurt fazia muito, muito
frio. Estava gelada, toda encolhida, na paragem do autocarro, à espera que ele
chegasse, para poder embarcar, quando uma senhora que ali se encontrava,
apercebendo-se que eu não era Alemã, talvez pelo meu aspecto físico, resolveu
meter conversa comigo, mesmo em Alemão.
Expliquei-lhe que era estudante Portuguesa,
que estava ali numa viagem de fim de curso, e me dirigia à dita cidraria, onde
os meus colegas e o professor já me aguardavam.
─ Interessante ─ disse a senhora ─ o meu
filho também é estudante, deve ser mais ou menos da sua idade. A menina teve
azar, veio aqui numa época muito fria, má para si, que não está habituada a
este clima. Vejo como está gelada! Sei o que se passa com os estudantes, sempre
com pouco dinheiro no bolso. Deixe-me oferecer-lhe ao menos dois marcos, para a
menina tomar um café, que a vai ajudar a aquecer.
Recebi meia constrangida e agradeci; o
dinheiro na altura era muito escasso, como tal de grande importância, e mais
algum, por pouco que fosse, era sempre bem-vindo.
Quando cheguei à cidraria já toda a gente
estava instalada. Acomodei-me, e lastimando-me, contei a minha aventura ao
professor, que embora novo, mas um tanto mais experiente que eu, me animou
dizendo-me:
─ Nunca se canse de praticar o bem Teresa. Felicito-a,
pois teve um verdadeiro dia de sorte! Que mais poderia almejar? Valeu a pena
sacrificar-se pela sua amiga. Afinal foi bem recompensada; embora atrasada
chegou a tempo, não pagou bilhete no autocarro, foi carregada ao colo, e ainda
por cima lhe ofereceram dois marcos para tomar café.
Aida Viegas
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