Do livro 
"Malhapão Rico - Confidências à Sombra do Sobreiro"

O Baile das Inspecções.

O Baile da Inspecções teve a sua origem com a paragem dos peregrinos vindos das bandas de Mira e Cantanhede, que iam à Senhora da Saúde a Fermentelos pagar as suas promessas, no dia 15 de Agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora, dia Santo de Guarda e feriado nacional durante muitos anos.
No início, as mulheres transportavam os seus farnéis à cabeça, em cestos tapados, de verga colorida, com toalhas brancas rendadas que caíam dos lados, e os homens traziam às costas o garrafão do tinto enfiado num pau. Chegados ao Arraial de Malhapão, um dos melhores das redondezas e que lhes calhava em caminho, poisavam as coisas, sentavam-se na relva, a descansar um pouco da longa caminhada e a matar a fome. Comiam, bebiam, rezavam, cantavam e seguiam. No regresso, pela tardinha, paravam novamente e merendavam. Depois tocavam e dançavam à mistura com o povo do lugar que os ia conhecendo, ano após ano, e já os esperava com alegria.
Mais tarde este encontro começou a ser abrilhantado durante a tarde, por um ou mais tocadores locais, aos quais se ia juntando cada vez mais gente. A certa altura, dada a popularidade e concorrência que esta actividade começou a ter, as pessoas de Malhapão resolveram contratar todos os anos um conjunto para animar. E logo alguém teve a ideia de que deveriam ser os mancebos que nesse ano iam às sortes (assim se chamavam as inspecções onde eram escolhidos os que deviam prestar o serviço militar, então obrigatório), a tomar o lugar de organizadores do então institucionalizado Baile das Inspecções, onde os peregrinos sistematicamente passaram a participar aquando do seu regresso de Fermentelos. Esta gente, entretanto, foi deixando de fazer o percurso a pé mas continuava as suas paragens obrigatórias no aprazível e festivo Arraial de Malhapão. O farnel passou a não ser trazido de casa, dado que, por todo o lado, começaram a surgir espaços onde se podia comer e as pessoas com a melhoria de vida que em geral se ia estendendo a toda a população, já tinham dinheiro para comprar a comida preparada. O baile realizou-se durante várias décadas, sempre alegre e concorrido. Foi a escassez de jovens que o fez esmorecer e foi pena ser por esse motivo, sinal do grande decréscimo da nossa natalidade, um problema ao qual não tem sido dada a devida atenção. Tudo acabou por terminar e, neste caso, foi por uma boa razão, o fim das inspecções e a dispensa dos rapazes da tropa.
                                                                     Aida Viegas

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